A humanidade em delírio: quando a ignorância se torna arma

Já não bastasse a estupidez, agora ela se veste de orgulho. Vivemos a era em que a ignorância, outrora motivo de vergonha, é exibida como troféu. Homens que mal conseguem apontar seu próprio país no mapa discutem geopolítica. Pessoas que nunca abriram um livro de biologia debatem vacinas com a arrogância de prêmios Nobel. A terraplanagem, que deveria ser piada de mau gosto, virou movimento. A ciência, que nos tirou das trevas, é tratada como “mais uma opinião” no mercado de ideias baratas.

É o triunfo do analfabetismo funcional com smartphone. Gerações inteiras que confundem algoritmo com conhecimento, likes com verdade. Os mesmos que riam dos pais por acreditarem em horóscopo agora compartilham teorias da conspiração como se fossem teses acadêmicas. A diferença? O horóscopo pelo menos não matava ninguém. Já a desinformação moderna encheu cemitérios durante a pandemia, enquanto gurus da internet lucravam com cursos de “imunidade natural”.

A Religião do Ego Ferido

Nessa nova inquisição digital, os hereges são os que ainda acreditam em fatos. Os fanáticos? Aqueles que transformaram sua ignorância em dogma. Vivemos uma distorção perversa da fé: crucificam Galileu todos os dias nas redes sociais, mas seu crime não é dizer que a Terra se move – é ousar sugerir que existem verdades além de suas crenças.

São fariseus modernos que carregam a Bíblia como arma. Pregam amor ao próximo enquanto compartilham memes defendendo a morte de adversários políticos. Adoram a cruz, mas cospem no crucificado. Se Jesus voltasse, seria chamado de “comunista” por alimentar os famintos e “globalista” por pregar a igualdade.

Os Mercenários da Pátria

Nunca tantos falaram tanto em nação para defender tão pouco seu povo. Patriotismo virou camuflagem para canalhice. Os mesmos que enchem a boca para falar em soberania são os primeiros a sonegar impostos, desviar verbas públicas, vender o país ao melhor preço.

São os novos “chauvinistas de cadeira”: em 1914, mandavam jovens morrer nas trincheiras enquanto ficavam em casa; hoje, enviam filhos dos outros para a guerra enquanto postam hashtags patrióticas entre um uísque e outro. Sua defesa da pátria nunca passa do teclado – e mesmo assim, exigem medalhas.

O Espetáculo da Barbárie

Gaza sangra em tempo real, e o mundo assiste como se fosse mais uma série de streaming. Crianças esqueléticas disputam espaço na timeline com receitas de bolo e dancinhas do TikTok. É o primeiro genocídio transmitido ao vivo, com direito a comentários e emojis.

Os mesmos que dizem “nunca mais” ao Holocausto agora acham justificativas para novos campos de extermínio. Os mesmos que choram ao ver fotos de Auschwitz defendem políticas que produzem imagens idênticas em 2025. A diferença? Desta vez não podem alegar que não sabiam – o horror é transmitido em 4K, compartilhado, curtido e esquecido no mesmo dia.

O Último Refúgio dos Canalhas

Quando a realidade esmaga suas falácias, resta-lhes o velho truque: gritar mais alto, atacar o mensageiro, inventar novos inimigos. É o playbook dos tiranos da história – de Nero culpando os cristãos pelo fogo em Roma aos nazistas acusando judeus de todas as mazelas da Alemanha.

Sua última trincheira é sempre a mesma: o patriotismo de araque, a religião de conveniência, o culto ao líder salvador. São os mesmos roteiros, os mesmos discursos, os mesmos crimes – só mudam as plataformas onde ecoam.

Epitáfio para uma Era Idiota

A história não será gentil com nosso tempo. Olharemos para trás e veremos uma humanidade que tinha todo o conhecimento da espécie acumulado em seus bolsos – e escolheu a ignorância. Que podia ver o mundo em tempo real – e preferiu fechar os olhos. Que tinha todas as ferramentas para construir o paraíso – e optou por incendiar o pouco que restava.

Quando arqueólogos futuros desenterrarem nossos smartphones, nossas redes sociais, nossos fóruns de ódio, farão a mesma pergunta que fazemos sobre as civilizações que se autodestruíram: “Como puderam ser tão cegos?”

A resposta estará escrita em todos os nossos likes, compartilhamentos e silêncios cúmplices. Não precisamos de asteroides ou pandemias para nos extinguir – estamos fazendo um trabalho perfeito sozinhos.